CONHECIMENTO CIENTÍFICO X COTIDIANO

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO X COTIDIANO

 

A relação entre o conhecimento científico e o cotidiano está intimamente interligada. Portanto, o desafio será: trabalhar com meus alunos tentando aprofundar os conhecimentos já adquiridos, sem afastar do momento atual. Para isto estou sempre atenta às notícias e mesmo que não tenham relação com o assunto que estou trabalhando, “abrindo um espaço” no conteúdo para inserir alguma notícia polêmica. Como exemplo tem a invasão do MST num laboratório de pesquisa, ocorrido no sul do país, em 2006. Aproveitei o fato para reforçar as etapas do processo de pesquisa cientifica e a partir destes estudos eles puderam opinar sobre a atitude dos SEM TERRA, observando o tempo que se investe e o trabalho que o cientista enfrenta para analisar os resultados da sua pesquisa. Nós, professores, temos a tarefa de tornar nossos alunos mais observadores dos fatos cotidianos. Estes fatos devem ser debatidos e servir como recurso para explorar e desenvolver o pensamento crítico de nossos alunos.

            Existe a prática de reclamar que nossos alunos vivem “desligados” da realidade, porém não vejo um debate entre professores que abordem um fato atual, visando meios e técnicas de como aplicar àquelas informações na sala de aula. O infeliz acidente com o avião da GOL, poderia ser usado como recurso para abordar várias questões de Física sob diversos aspectos e os alunos estariam inteiramente motivados e certamente despertariam a sua curiosidade. Mas, não vi nenhum comentário neste sentido. A minha prática pedagógica é sempre nova quando se trata de acompanhar os assuntos atuais. Quando uso notícias antigas sempre dou um tom de estão muito atuais para haver maior motivação, por exemplo: Sabem que o código genético que tem a receita de criar um ser humano já foi descoberto? Então, pode imaginar o que se passa na cabeça deles? É o que faço, descubro o impacto da notícia, para trabalhar o assunto! Acredito que esse comportamento torna minha abordagem mais efetiva em relação à formação do pensamento crítico e na conscientização do aluno como cidadão. Sei que muitos alunos não são estimulados a fazer inferências sobre assuntos científicos, no seu ambiente familiar, portanto, procuro superar essa dificuldade promovendo ações na minha sala que desenvolva essa capacidade. Para tal ação aproveito os alunos que trazem alguma informação na sua bagagem intelectual, sobretudo, para verificar a veracidade das informações e até que ponto precisam ser trabalhadas.

            Dentro desta perspectiva sempre procuro aproveitar as representações sociais, os significados traduzidos do senso comum que meus alunos usam para conceituar algo. Nesse caso, fico alerta para não cometer o deslize de dizer que o aluno precisa corrigir algum conceito pré-concebido. Por exemplo: constantemente, alguns alunos dizem que os cálculos renais e hepáticos são produzidos a partir de alimentação contendo sementes, ou que as sementes provocam apendicite. Não convém corrigir, é preciso fazer com que os alunos possam entrar em contato com informações e exemplos que traduzam o verdadeiro motivo das patologias, e que ele chegue as suas próprias conclusões. Uma atitude impensada do professor pode reverter o objetivo e o aluno acaba por reforçar o conceito do senso comum.

            Uma estratégia de ensino que uso para aproveitar o conhecimento prévio do aluno é o trabalho com projetos. Adoro anunciar na sala que a partir daquela unidade os meus alunos vão escolher o que estudar: as avaliações são vocês que irão decidir! É o espírito de Henri Wallon e suas convicções do estimulo e do prazer em aprender. O professor deve saber como anunciar aos seus alunos que farão parte do desenvolvimento de um projeto interdisciplinar. Pode ser assustador se os alunos não tiverem apoio suficiente do professor. Dizer a eles que todos os seus ex-alunos gostaram da metodologia por ser mais fácil, deixa-os menos tenso. Eu sempre trabalho por etapas e nunca antecipo os passos do projeto, vou construindo dia após dia e quando percebem já está pronto: o tema, os objetivos, a introdução, o desenvolvimento, o suporte bibliográfico. Quando anuncio que eles precisam preparar o projeto contendo àquelas informações, ficam desesperados… Então esclareço que grande parte do trabalho já está construído e o resultado é surpreendente. Este comportamento condiciona o aluno a seguir os mesmos passos em outras disciplinas, e torna o aluno capaz de participar de qualquer outra atividade afim.

            Nestes anos de ensino descobrir que o sucesso da minha profissão está em não deixar que meus alunos sintam-se incapazes. O segredo e descobrir algo que o aluno seja bom ou goste de fazer.

            Em relação aos projetos extraclasse e a formação de conceitos tenho um exemplo que sempre lembro para me ajudar a não perder o estímulo diante de uma adversidade. Anunciei um projeto para meus alunos: – Vamos fazer um trabalho divertido na praia?

            Imagine o impacto e o reboliço! O que eles não sabiam é que teriam que seguir as normas da natureza para fazer esse trabalho e que dependia da tábua de maré. Acontece que a maré não entende os horários dos professores e alunos, então, tivemos que ir no sábado, algumas turmas no domingo e outras em horários opostos. Nunca coincidia com os dias de aula. Superada estas dificuldades, apareciam outras: – Como levar o material para a praia?

Eu levaria os termômetros, indicadores de pH, pranchetas e os alunos o béquer (garrafa pet cortada no meio), escala ou fita métrica, espátula (faca). Há! Tenho que fazer um parêntese para contar essa:

“Tive que alterar o roteiro de prática e destacar a palavra faca como – FACA DE MESA. Tudo porque uma aluna foi para a aula na praia, levando, nada menos que uma peixeira na bolsa, quando foi abordada por policiais que faziam blitz. Eu estava dando instruções aos alunos, quando chegou a viatura cheia de policiais da PM com a aluna escoltada. Passado o susto dei uma bronca nela por que esquecera o roteiro de prática em casa, e ainda tive que explicar aos policiais que existe uma professora que dá aulas na praia, no domingo, sim!”

A lição maior que tive dessa experiência foi com um aluno que não se entrosava na turma, recusava a fazer trabalho em grupo, não participava da aula, mas apareceu na aula da praia. Nenhum grupo quis admitir aquele aluno, foi com muito custo que consegui convencê-los. Acompanhei os grupos sem desviar os olhos do meu aluno, que continuava afastado dos colegas, só observando. De repente ele chegou perto e começou a falar e outros grupos se aproximaram. Vi que ele dava uma lição sobre um peixe “baiacu” que estava aprisionado em uma das poças e a partir daí, continuou contando casos de pescaria. Enfim meu aluno nunca mais foi o mesmo passou a se integrar com a turma e este para mim foi o maior exemplo de que todos os meus alunos trazem uma bagagem de conhecimentos e tenho a obrigação de tentar descobrir e dar condições de aflorar essas informações, que podem ser grandes aliadas. Como diria o grande mestre Vigotski.

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